Diário de um náufrago

A viagem era amena, ao ritmo dum mar agora calmo.
As núvens desfaziam-se ao longe enquanto o sol lhe batia no rosto e a brisa era leve,
tão leve que quase cantava ao ouvido, baixinho.
Ele não temia o dia de amanhã, não o encarava com preocupação.
E todos os dias, à mesma hora, o sol voltava a encher-lhe o coração quase sem que se apercebesse disso.
Era simplesmente o embalar do mar que o levava
Sem rumo nem ponto de chegada, sem objectivos a alcançar.

Mas à medida que os dias foram sendo menos quentes e o caminho pareceu traçar-se diante dos seus olhos, a maré mudou. E com ela, a instabilidade do barco.

Percebeu então que não estava sozinho naquela viagem.
Os riscos de naufrágio eram cada vez maiores e só havia uma bóia..
De repente um rasgo de sol volta a encher o peito, como quem recarrega algo, de alguma forma.
Como quem inspira fundo para dar (mais) um passo em frente.
Mas as núvens não tardaram e com elas a tempestade.

Primeiro balançou ao de leve, depois a tempestade tomou conta do barco.
Embora aflito, deixou-se naufragar, não antes de ceder a bóia..
À medida que afundava toda a viagem lhe passou pela memória.
Viagem que, afinal, tinha sido tudo menos solitária. Foi curta, mas intensa.
Daquelas que sempre ficam recordadas num cantinho especial.
E perdeu todas as suas forças, com estes flashes no pensamento
E já sem oferecer resistência, deixou-se ir.

No dia seguinte acordou na praia.
Com o sol a bater-lhe no rosto..
.. novamente.

Domingos de Sol

Um dia falaram-me em Domingos perfeitos.
Domingos de sol, de calor. Domingos de descanso.
Intrigavam-me porque não os conseguia compreender.
E de repente, numa altura em que todos os dias são iguais e frios
em que todas as horas se resumem a mais do mesmo
passo a acreditar neles.

Não foi só o calor que mudou. Foi sobretudo a atitude.
Permiti-me deixar de lado as preocupações e o stress
e passar para a outra margem do rio com a mochila cheia de sonhos.
À chegada um sorriso afável, como quem diz "lembro-me de ti"
(e como é bom percebê-lo neste meio)
como quem diz "acompanha-me, vou mostrar-te o caminho".
Pé ante pé, giro e rodopio enquanto elas me acompanham
chego mesmo a julgar sentir-me levantar
de asas nas costas o mundo é meu!
Posso esconder-me, fechar-me no casulo.
Posso abri-las e tornar-me minúscula.

Trago a mochila cheia de flashes, cheia de uma vontade de lá voltar.
Trago no corpo a leveza, o som e a continuidade enraizados.
Chego a casa e espalho as memórias em cima da secretária, junto-lhes pedaços de outros dias.
E percebo que pouco importa se é Domingo ou Sexta-feira
(muito menos se há muito trabalho por fazer ou horas de sono a perder):
Importam os momentos, as pessoas, os sentimentos
a força e o calor que nos transmitem,
e tudo aquilo que nos faça sentir que valeu a pena ficar mais um pouco.

Tudo aquilo que, dia após dia, nos motiva a inspirar bem fundo
encher o peito de ar e...

.. abrir as asas! :)

**

AETA by Mário Branco

"Não sabe o que é ter descanso?
A sua vida é passada a estudar?
Tem uma relação com algum dos seus assistentes conflituosa?
Sente-se incapaz de assimilar tanta coisa?
Junte-se à AETA (Associação de Estudantes do Terceiro Ano Anónima)
Damos apoio mostrando-lhe que não está sozinho neste calvário.
Luta camarada!
O fim está longe mas é alcançável.
Se esta sms te arrancou um sorriso então já valeu a pena."


Mário, tinha de publicar :)
Os que estão juntos neste "calvário" vão certamente identificar-se com cada uma destas frases e sorrir no final. E dar graças a ti por, apesar de tudo, conseguires manter essa boa disposição aparente, embora no fundo ninguém ande bem com o "pão nosso de cada dia" que se está a tornar demasiado frequente..

Mas é mesmo como dizes.. o fim está longe
ou, quiçá, mais perto do que aquilo que penso.

Ao ritmo do piano

Ao ritmo do som mais puro sinto o meu ritmo acalmar.
Paro, viajo, perco-me. E de repente acordo noutro lugar.
A realidade que me cruza passa a ser outra: a realidade que não estou a viver
a realidade que fui construindo com os tijolos que me davam, algures num tempo perdido.
Ele continua calmo, mas a quebra traz-me de volta: bato palmas.
Volto a esta realidade tão minha, tão precisa
tão distante, mas tão viva, tão livre. Esta realidade que me cura.
Há momentos que nos marcam e viciam, que nos fazem querer voltar no dia seguinte.
Quisera eu conseguir transpor em palavras estas melodias que hoje me abraçam.
Quisera que cada uma delas te desse a mão enquanto explica os meus porquês,
enquanto conta a minha história.
Limito-me a abrir-lhes os braços, a respirá-las, como se o amanhã não mo permitisse.



Novamente ao som do piano no Atrium Saldanha.
Todos os dias a partir das 17h.
[Saudades..]

Porque o frio também queima..

É neste pedaço de calor que encontro hoje a paz
Que me encontro, perdida por entre palavras e memórias.
Olho pra trás e revejo o calor.
E ao revê-lo, julgo até sentir um arrepio de frio.
Como atraiçoa a memória, como surge tão implacável!
recorda-nos realidades passadas, traz a saudade.
Volto a olhar para trás e passa a ser apenas uma cama vazia
o calor deu lugar à indiferença.
E porque o frio também queima, coloco de novo o pulsar na caixa,
enquanto procuro em mim a chave
a mesma que farei por perder de novo.
Mas enquanto a alma se deita revive tudo, tudo de novo
e adormece, magoada, à espera que amanhã seja um novo dia.



Há locais que tanto num dia são tão nossos como no dia seguinte parece que não nos pertencem. Sítios que nos prendem a alma de tal forma que só lá conseguimos a paz. Hoje tenho a minha, aparentemente.
E amanhã, amanhã vou ouvir o piano.

Sem sentido(s)

Pé ante pé como quem traça um caminho
percorro esta rota quase sem sentidos
Dou com o tempo a voar mais rápido que o compasso habitual
e rapidamente chego ao destino
Na verdade ele é apenas mais um ponto de partida
para outra rota, outro lugar
para outros sorrisos e cumplicidades.
Sinto que o meu cantinho está reservado
e por muito que a vida nem sempre nos sorria, onde se fecha uma porta abre-se uma janela
e como é bom ver que, do outro lado dela, tenho amigos tão bons
E que, ainda que a porta continue semicerrada, nos percebem e compreendem a genuinidade dos nossos actos:
foi sentido.

O sonho mora do outro lado da rua

6 dias e mais umas pedras.
A recta final de mais um ciclo e mais umas (in)certezas.
O corpo mantém-se presente e dou pela alma passar para o outro lado da rua.
Lá, onde mora o sorriso e o futuro.
Sei que mora também o cansaço, as horas de sono perdidas, a instabilidade..
mas acima de tudo mora o sonho!
O corpo só voces, amigas, o prendem. Ou assim o vão fazendo..
Porque a alma já não mora lá.

Relatividade

O abrir de portas a mais um ano trouxe consigo um turbilhão de memórias
já por si só tão grande, mas que a chuva lá fora hoje só veio intensificar.
À contagem decrescente normalmente somos levados à euforia,
aos desejos de mudança.
Mas os 1o últimos segundos de 2007,
na cabeça e na memória
traçaram um autêntico flashback dos últimos meses.

Vi o espaço, o rosto, os sorrisos e o tempo à volta parado.

Ao longe dei conta de toda a magia que envolve cada um destes pedaços de memória
e da tão grande importância que eu preferia que não tivesse.
Está guardado, mas magoa.
E ao fixar o olhar no horizonte percebo a relatividade do tempo e dos momentos.
Sorrio.
Vejo que há coisas tão certas no tempo e no espaço em que acontecem
que relativizam quaisquer circunstâncias futuras.
Simplesmente porque foram perfeitas, especiais.