Questão de confiança

Neste mar de ilusões em que tudo o que parece no momento seguinte já não o é
limito-me a viver de forma contemplativa o tempo que esvoaça sobre mim
O espaço, esse, muda constantemente.
Tão depressa estou numa sala vazia como numa avenida repleta de gente
ou não fosse assim mesmo a mente e o espírito humanos.

Numa era tão falsa e enganadora,
num tempo em que os jogos duplos acontecem mesmo sob os nossos olhos
torna-se cada vez mais difícil encontrar a luz.
Mas eu sei que ela existe. E isso muda tudo.

A virtude de outrora tornou-se, no entanto, a dificuldade do momento.
O muro gelado não quebra nem derrete, e de tão transparente, de tanto e tantas coisas reflectir, torna cada imperfeição saliente
E volta tudo à estaca zero.
Não como se fosse a primeira vez, mas sim sendo cada vez mais uma vez.
E isso cansa, como cansa!

Demasiado exigente dirão?! Sim. São marcas e cicatrizes do tempo.
Esse que, por muito que continue a esvoaçar suavemente, nunca as irá apagar.
São pequenos tijolos nesta minha construção de personalidade.
Daqueles que servem de alicerce, os primeiros, aqueles que nunca poderemos alterar.

A vantagem da personalidade humana está no facto de a podermos moldar
de colocar pequenos remendos que taparão as lacunas do passado.
Quanto a isso, ainda está para vir a pessoa que terá essa capacidade.
A alma (ou a minha outra metade) que irá conter a minha confiança,
a totalidade da essência do meu ser.


Porque tudo se resume a isso mesmo: uma questão de confiança.

Segredo

Vamos guardar um segredo?

Tu que andas demasiado sem norte, sem compasso certo ou sem tino
sem aquele aconchego certo no final do dia
que voas com tanta facilidade (a mesma facilidade com que voltas à terra)
Tu que segues os meus passos, bates ao meu ritmo
disfarças o impossível e finges a indiferença
Tu que te enches de recordações, de histórias passadas
e que, de forma selecta, escolhes o meu caminho.
Guardas pedaços de mim e pegadas do meu ser.
Podemos caminhar juntos silenciosamente?

Talvez um dia

Porque há horas inexplicavelmente longas,
outras que poderão nunca chegar,
e sentimentos inexplicavelmente confusos.
Hoje queria poder dizer tanto a tanta gente.

Gostava de poder dizer que quero aquele amigo de volta,
a presença tão necessária daquela amiga,
queria abraçar bem forte cada pedaço magoado por mim.
Queria que algumas horas nunca terminassem.
Uma mensagem, um telefonema, um abraço.
Que os que partiram soubessem o quanto sinto a sua falta,
e que os distantes dessem notícias.
Até a quem mais magoou gostava de dizer que perdoei, mas não esqueci.

Talvez um dia passe das palavras à acção.
Talvez um dia diga a cada uma destas pessoas exactamente aquilo que sinto/preciso.
Pode ser que as coisas mudem..
..talvez um dia.

Sinto falta

Nao me falta nada mas ao mesmo tempo sinto falta de tudo.
Falta de um abraço hoje, agora. De um colo onde possa simplesmente descansar.
De uma mao suave que afague o meu rosto enquanto durmo,
e de um olhar que, ainda que silenciosamente, me diga tudo.
Daquele sorriso que faz mover marés e o tempo parar por instantes.

Acho que no fundo sinto falta de poder confiar,
falta dos tempos sem ferida que pudesse ser tocada,
dos tempos em que o salto era muito mais fácil.

Menino do piano (no sol da Guiné)

Há histórias que nos são contadas e que nos fazem pensar. Histórias de terceiros, em nada semelhantes e que em nada se cruzam com as nossas, mas que tocam.

Tocam às vezes algum tempo depois, quando a alma está mais livre de interferências, mais aberta (mais cansada?).

Histórias que lembram que a sorte existe e que há pessoas com um coração do tamanho do mundo, com tanto de si para dar. E que lembram outros que nem sempre nascem com a sorte do seu lado, mas que mais tarde ou mais cedo ela acaba por lhes sorrir, de alguma forma. Siga a vida o curso que seguir, por vezes demasiado imprevisível e tantas vezes tudo ao mesmo tempo, existem sempre coisas boas que nos suportam e tornam mais fortes. Aquelas que, mesmo ligeiramente diferentes do que possam ter sido um dia, ainda assim são um suporte tão mais puro, um porto de abrigo muito mais seguro (esta é para ti, amiga, que sei que vais identificar a história) =)

É com esse pensamento que me deito hoje. Que nem sempre o sol está lá a brilhar para nós e que muitas vezes a neblina é duradoura, mas depois da tempestade continua a vir a bonança.

Noites mal dormidas, é certo, mas dias bons, companhias ainda melhores, sorrisos partilhados (daqueles que trazem o sol) e bons momentos vividos a cada dia que passa.


Fica ainda a referência a uma boa surpresa que os últimos meses me trouxeram e que hoje é bebé:
Parabéns Pedro! :)

Shimmy

A darbouka dá o mote para novas sonoridades.
A cintura nua segue o ritmo
enquanto os pés descalços tocam o chão frio.
Ao tocá-lo, levitam.
Pontinha a pontinha, fico cada vez mais leve.
E a alma acompanha-me, à medida que o movimento é cada vez mais marcado no compasso.

Os braços fluem num movimento praticamente inato,
porque sinto que sempre saiu assim, inconscientemente.
As ondulações vão ditando os passos,
ao mesmo tempo que ditam o caminho da satisfação.
Já não era assim há tanto tempo!

Tarde de Segunda Feira dedicada à Dança Oriental.
Amanhã há aula. Amanhã levito mais um pouco.

(Com)Passos

Nestes passos tão meus, chega o sossego.
O meu chão, a minha rua, as minhas coisas, a minha calma.
É daqueles dias em que o caminho é tão curto e a recompensa tão grande.
Sabe bem.
Um som calminho emana das teclas e dá vontade de ficar, outra vez.
Mas os passos tornam-se largos, enquanto os olhos querem fechar.
E eu, teimosa, não deixo.

Continuo o caminho mas os passos deixam de ser meus,
enquanto o pensamento fica de repente no outro lado do mundo.
Com ela, que a sei triste e desamparada.
É nestes momentos em que a vida nos passa uma rasteira que precisamos de reunir as forças que ainda restavam.
Não consigo contactar-te, mas estou contigo.
Já sabemos que o compasso da vida nem sempre é certo.
Mas, ainda assim, custa tanto.
Sempre tanto.


Muita força amiga.

Contraste

Na vida praticamente tudo é representado por um sistema binário.
As dualidades estão sempre presentes.
O preto e branco, a tristeza e a felicidade, a morte e a vida.

É esse contraste que este vídeo transmite,
ao som do piano ;)


Olhares

Diz a sabedoria popular que os olhos representam o espelho da alma.
Ou não fossem eles tão explícitos, ao mesmo tempo que tão silenciosos.
É isso que por vezes nos falta: saber ou poder ler o olhar.
Por isso teimo em captá-lo. Cada pedaço de cada olhar, silenciosamente.
Cada palavra ou sentimento nele escondido.

Há olhares tensos, frios. Olhares ternos, outros vazios.
Muitas vezes representam inconstâncias do destino,
hesitações embrulhadas em timidez.
Outras vezes, húmidos, a saudade.
E traduzem a música que nunca mais acaba.

Olhares que escondem uma tremenda vontade de chegar (mais) perto.
Outros que apenas tentam fingir a inocência dos gestos,
que no fundo não existe.
Olhares que nos sorriem à alma,
que abraçam e que nos cantam ao ouvido.

Olhares que escondem cumplicidade, uma história.
Passada ou futura? Não importa.
São tudo faces de uma mesma moeda,
cuja inconstância corroi por dentro, apenas.
Depois, depois pára. Um dia.


"Existe mais poesia no olhar de quem ama do que em mil poemas que se escrevam, mas nem por isso devemos deixar de escrever mil poemas para mostrar ao mundo o que esse olhar dizia.."

Sweet melody

Corre a melodia
enquanto no banco frio o corpo pende
e a alma, já velha e cansada, flutua.

Quem passa desvia o olhar,
quem chega pára para escutar
quem está,
simplesmente fica mais um pouco.

As mãos ágeis e sábias levam-me daqui
Arrepiam. Trazem paz.
Por vezes chego a pensar que o piano chora a minha alma.
Mas é tão bom ouvi-lo, por entre passos e conversas de café.

Um dia serão as minhas mãos a regressar a ele
e a transpor, igualmente, a felicidade que sinto ao ouvi-lo
Hoje, amanhã,
e todos os dias em que estiver nesta Lisboa (já) tão minha.



@ Escrito ao som do piano no Atrium Saldanha.
Para quem desconhece, fica a informação: todos os dias a partir das 17h existe um pianista diferente que encanta quem por la passa, ou quem por lá fica.. como eu.